O Mesa de Bar do Grêmio, para comemorar seu 10º aniversário, lança a campanha “O último 10” onde vamos trazer um texto de cada integrante sobre um camisa 10 diferente. Hoje, Rodrigo Azevedo escreve sobre Carlos Miguel.
Às vezes se fala que Grêmio multicampeão dos anos 90 era um time que jogava por um gol e era retranqueiro. Alguns desavisados ou esquecidos até contestam a qualidade técnica daquele time. Mas essas teorias e falácias facilmente caem por terra quando lembramos de vitórias elásticas como o 5×0 contra o Palmeiras ou o 3×1 contra o Nacional de Medellín, ambas na Libertadores de 95. Mas em outros momentos, não precisamos nem falar de placares. Basta lembrar de alguns jogadores daquele esquadrão para termos certeza que havia qualidade sim. E muita qualidade.
O camisa 10 daquele elenco era um volante. Emerson, campeoníssimo no Grêmio e na Europa. Mas não é dele que vamos falar. Mesmo porque ele foi reserva em 95, principal ano daquela geração. Reserva de luxo, é verdade, mas ainda um reserva.
E quando falamos do conceito de camisa 10, falamos de um titular absoluto, referência técnica da equipe. Aquele meia ofensivo, habilidoso, que chega no ataque, que dá assistência, pifa o companheiro e lógico, que faz gol! E quem tinha todas essas habilidades de forma incontestável naquele time usava a camisa 11: Carlos Miguel.
Rápido, habilidoso, passe preciso, sabia bater na bola, cobrava escanteio e batia falta. Só não cabeceava, mas pra isso tínhamos Nildo e Jardel. Miguelito, como era carinhosamente chamado pela torcida, além de tudo isso era predestinado a brilhar com a camisa tricolor. Vocês vão entender o que quero dizer.
Carlos Miguel da Silva Júnior, Gaúcho de Bento Gonçalves na serra gaúcha, foi da base do Grêmio como outros jogadores que também estrelaram esse clássico elenco dos anos 90. Ele fez parte do time vice-campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior em 1991, melhor classificação do Grêmio nesta competição até hoje.
Foi promovido aos profissionais em 1992 e já em 1993, chegada do técnico Felipão, virou destaque, passou a figurar como titular e veio o primeiro título: Campeão Gaúcho. Coincidentemente o ano que comecei a frequentar o saudoso estádio Olímpico.
Em 1994, já titular absoluto, foi fundamental para a conquista da Copa do Brasil. Não só pela participação em toda campanha, mas principalmente no segundo jogo da final, pois o gol do título partiu dos pés dele. Cobrador de escanteios do time nos anos que vestiu a camiseta tricolor, foi dele a cobrança precisa que encontrou Nildo na área naquela final no Estádio Olímpico. E eu lembro com muito carinho daquela noite, pois foi o primeiro título que assisti no estádio.
Em 1995, com a chegada de reforços para a Libertadores, Carlos Miguel fez parte do time mais famoso daquela geração. A escalação era: Danrlei, Arce, Rivarola, Adilson e Roger; Dinho, Goiano, Arilson e Carlos Miguel; Paulo Nunes e Jardel. Até rimava. E realmente jogavam como música. Carlos Miguel fazia uma dupla muito entrosada no meio campo com Arilson e eram os responsáveis por levar a bola ao ataque. Tenho até hoje em minha memória: noite fria de libertadores, fumaça dos sinalizadores em campo, torcida pulsando e eu piá nas arquibancadas do Olímpico, tentando entender como ele conseguia fazer passes e triangulações com tanta facilidade e agilidade! Eram passes de primeira, dribles e lançamentos diferenciados! Dignos de um camisa 10.
Dias antes de disputar as finais da Libertadores de 95, o Grêmio jogou dois jogos contra o Inter pelas finais do Gauchão. No primeiro jogo 1×1 no Beira Rio. O segundo jogo, no Olímpico, também estava 1×1 e adivinha quem fez o gol do título? Ele mesmo Carlos Miguel.
O time deste ano foi o que eternizou essa geração e levantou a taça Libertadores. Mas como nem tudo são flores, foi esse time que perdeu o único título que faltou na carreira do Carlos Miguel pelo Tricolor. O mundial interclubes. O Ajax de 95 era também a base da fortíssima seleção holandesa da época. E o Grêmio de Carlos Miguel enfrentou de igual para igual o jogo todo, mesmo jogando quase todo o segundo tempo com um jogador a menos. Aquele empate em 0x0 e derrota nos pênaltis certamente foram o golpe mais duro na sua carreira.
O ano de 1996 começou já com disputa de título. Naquele tempo a Recopa Sul Americana ainda era disputada em jogo único. Na ocasião o Grêmio, campeão da Libertadores 95 enfrentou o Independiente da Argentina, campeão da Supercopa 95. E Carlos Miguel brilhou mais uma vez. Uma não, três vezes. E de todas as formas possíveis: O jogo estava 1×1 e no final do primeiro tempo Carlos Miguel aproveita a falha do goleiro para fazer o segundo gol do Grêmio na partida. No segundo tempo é Carlos Miguel quem invade a área e sofre pênalti. O capitão América Adilson cobra o pênalti e faz o terceiro do Grêmio. E para finalizar, no fim do jogo é Carlos Miguel quem mais uma vez invade a área e desta vez cruza para o gol de Paulo Nunes, que fechou a goleada de 4×1 para o Grêmio e garantiu o para nós o título inédito da Recopa Sul Americana.
O segundo título conquistado em 1996 foi o Campeonato Gaúcho, o terceiro Gauchão de Carlos Miguel.
Ainda em 1996, o jogo que tenho na memória como sendo o mais emocionante e tenso que viví no Olímpico. O Grêmio enfrentava na final do campeonato Brasileiro o forte time da Portuguesa. Tínhamos perdido por 2×0 o primeiro jogo e precisávamos no mínimo igualar o placar em Porto Alegre (já que o Grêmio tinha melhor campanha no campeonato). O Grêmio havia aberto o placar logo no início do jogo com Paulo Nunes e pressionou o jogo inteiro atrás do segundo gol que não saía. O fim da história quase todo gremista conhece: Uma bola alçada na área da Portugueza, a zaga afasta mal e Aílton faz o gol do título no rebote. O que poucos se lembram é quem alçou essa bola na área. Ele mesmo: Carlos Miguel. Mais um título para o currículo.
O ano de 1997 fecha com chave de ouro essa geração vencedora da qual Carlos Miguel fez parte do início ao fim. Felipão já não era mais o técnico. Mas o time que ele montou seguia copeiro e o Grêmio mais uma vez chegava à final da Copa do Brasil, desta vez contra o Flamengo que tinha no ataque nada menos que Sávio e o craque Romário. O primeiro jogo, no Olímpico, havia ficado no 0x0. O segundo jogo foi no Maracanã, com quase 100.000 pessoas. O Grêmio tinha aberto o placar com João Antônio logo aos 6 minutos, mas o Flamengo virou ainda no primeiro tempo, com o segundo sendo marcado por Romário.
Mas uma característica daquele Grêmio era não se entregar. O segundo tempo foi brigado até o fim. E assim como a Copa do Brasil de 1994 abriu essa fase vitoriosa com a participação de Carlos Miguel no gol do título, a Copa do Brasil de 1997 encerrava este ciclo também com a Participação dele no gol do título, mas dessa vez não com assistência e sim marcando o gol, como um centroavante, dentro da pequena área, aparando um cruzamento de Roger, colocando a bola no fundo do gol e calando o Maracanã.
Carlos Miguel saiu do Grêmio ainda em 1997 para jogar no Sporting Lisboa, mas não se adaptou à Portugal. Retornou ao Brasil em 1998 para jogar no São Paulo, onde foi bicampeão paulista e campeão do torneio Rio-São Paulo. Essa boa passagem lhe rendeu vaga na Seleção Brasileira que disputou a Copa das Confederações em 2001.
Mas como o ser humano é imperfeito, em 2002 ele jogou no nosso rival inter. Em 2003 e 2004 se redimiu, retornando ao Grêmio, mas escolheu uma péssima época, pois todos sabemos o que aconteceu com o tricolor em 2004. Miguelito finalmente encerrou sua carreira atuando pelo Corinthians de Alagoas entre 2005 e 2007.
Certamente essa reta final não apaga todo o brilho da sua carreira.
Carlos Miguel é acima de tudo um vencedor, um predestinado. Dos 8 títulos vencidos com a camisa do Grêmio, participou de jogadas de gol em 5 decisões.
Carlos Miguel não usou a 10 do Grêmio, mas ele foi, como diria o grande narrador Sílvio Luiz: O craque da camisa número 11.
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